No cotidiano das perícias de engenharia, é comum encontrar construtoras, loteadoras e advogados acreditando que a existência de um Habite-se ou de um CVCO (Certificado de Vistoria e Conclusão de Obra) é sinônimo de obra tecnicamente correta. Esse equívoco gera conflitos e expectativas que não correspondem à realidade técnica da construção civil.
O Habite-se (Auto de Conclusão) não avalia a qualidade executiva da obra, tampouco identifica vícios construtivos. O Município apenas confirma que a edificação atende aos parâmetros urbanísticos aprovados no projeto — e não à execução real da obra em campo.
Na prática, a prefeitura verifica essencialmente:
Recuos e afastamentos obrigatórios: Conferência do atendimento aos recuos mínimos definidos pelo Plano Diretor, Código de Obras e normas urbanísticas.
Altura máxima permitida (gabarito): Verifica se a edificação respeita o gabarito máximo, número de pavimentos e demais limites urbanísticos da zona.
Taxa de ocupação (TO) e coeficiente de aproveitamento (CA): Confirma se a área ocupada e a área construída estão dentro dos limites permitidos para o lote.
Outorga Onerosa do Direito de Construir (quando aplicável): Em casos de excedente de área construída acima do coeficiente básico, a prefeitura exige a outorga onerosa.
Acessibilidade mínima: Checagem apenas de itens básicos previstos nas legislações municipal e federal, como rampas de acesso, sanitário acessível e circulações mínimas.
Em outras palavras, são documentos formais e administrativos, incapazes de comprovar a qualidade da execução, rigor técnico, desempenho da edificação e a conformidade com normas da ABNT ou requisitos de engenharia.
E há um outro ponto crucial: se as prefeituras frequentemente não conseguem fiscalizar adequadamente suas próprias obras, como poderiam avaliar com rigor técnico todas as obras particulares do município? A resposta é simples: não conseguem e não possuem estrutura técnica para isso. Não se trata de crítica, mas de uma limitação estrutural do poder público.
Portanto, Habite-se e CVCO não atestam conformidade executiva; apenas confirmam que a obra foi concluída de acordo com o projeto aprovado, especialmente quanto aos parâmetros urbanísticos — o que representa uma análise essencialmente documental e baseada na planta arquitetônica.
Nenhum desses documentos substitui a fiscalização em campo: o “bota na obra”, as inspeções técnicas, os ensaios, as avaliações de desempenho e as vistorias especializadas.
Quando na apresentação dos quesitos as partes utilizam esses documentos para tentar induzir o juízo ao erro, afastar problemas ou pressionar o perito com argumentos do tipo: “Se tem Habite-se, então está tudo certo, não está?” A resposta técnica é direta: não. A existência de um documento administrativo não dispensa a verificação da obra, de sua execução e dos eventuais vícios construtivos.
Compreender o que são Habite-se e CVCO é importante — mas entender seus limites é indispensável. A responsabilidade de avaliar a real condição da obra é do engenheiro especializado em campo, não da prefeitura.
Em um país com baixa fiscalização, informalidade e pouca cultura de controle de qualidade na construção civil, confiar exclusivamente em documentos administrativos para validar uma obra é um erro grave — e recorrente.




